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terça-feira, 19 de outubro de 2010

Os perigos de ser jornalista no Irã



Mohammad Ghouchani, 34, ainda é um homem livre. Mas talvez não o seja por muito tempo. As forças de segurança do regime iraniano vêm seguindo cada movimento do jornalista há semanas. De acordo com colegas de Ghouchani em Teerã, há apenas uma semana os agentes iranianos ligaram para ele. O que disseram? Que largasse o projeto ou o prenderiam.
Não será uma surpresa se Ghouchani receber uma intimação da promotoria e for forçado a responder acusações diante da Corte Revolucionária Islâmica. Seu futuro também pode envolver tempo de prisão –tudo porque ele assumiu uma missão tentadora e delicada: voltar a publicar o Ham-Mihan, um jornal que foi proibido há três anos.

 Fundado em 2000, o diário Ham-Mihan, ou “Compatriota”, estabeleceu-se como uma voz reformista sob o ex-presidente comparativamente liberal Mohammad Khatami e atingiu uma circulação de mais de 100.000 exemplares. Agora, as autoridades renovaram a licença do antigo editor, Gholamhossein Karbaschi, que foi prefeito de Teerã por muitos anos e é aliado de Khatami.

Em um apartamento espaçoso no norte afluente da capital, uma equipe de 30 editores, artistas de paginação e técnicos estão trabalhando com Ghouchani para produzir a primeira edição do jornal, com a tiragem inicial de aproximadamente 25.000. Apesar de a constituição iraniana garantir a liberdade de imprensa, as autoridades do Ministério de Justiça e do Conselho Supervisor da Imprensa estão apenas esperando aparecer a primeira história crítica sobre o presidente Mahmoud Ahmadinejad e seu mentor, o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei.


 Muito boa companhia


 De fato, há poucas dúvidas que as autoridades vão fechar o Ham-Mihan novamente e prender o editor-chefe Ghouchani, que já passou quatro anos e meio atrás das grades. Na prisão, ele se viu em boa companhia.

Desde os protestos contra a reeleição de Ahmadinejad, em junho do ano passado, as celas da prisão estão cheias de críticos do regime –e os jornalistas representam o maior grupo profissional entre os presos. Mais de 120 funcionários de jornais e cerca de 20 blogueiros foram presos, diz Mahmood Amiry-Moghaddam. De sua casa no exílio, o co-fundador do grupo Direitos Humanos do Irã vem monitorando “a brutal opressão da liberdade de expressão”. Ao menos 50 repórteres e fotógrafos fugiram para o exterior para escapar dos agentes do regime, diz ele.

Ninguém sabe exatamente quantos jornalistas estão atrás das grades. Amiry-Mogahaddam sai recitando 30 nomes, inclusive de Emadeddin Baghi, que foi condenado a seis anos na prisão pela Corte Revolucionária. Seu crime: uma entrevista com o Grande Aiatolá Hossein-Ali Montazeri, que morreu em dezembro do ano passado e estava entre os mais ativos críticos do regime. Parece uma triste ironia da história que a República Islâmica que emergiu da revolução contra a ditadura do xá em 1979 esteja atualmente perseguindo jornalistas mais severamente do que qualquer outro país no mundo.

Jornalistas estrangeiros, particularmente os que receberam suas licenças em épocas menos restritivas, também se tornaram alvos dos aliados de Ahmadinejad nas agências de inteligência e na Pasdaran –a Guarda Revolucionária Islâmica. A correspondente do jornal espanhol “El País”, por exemplo, foi forçada a fazer as malas –ela provocou a ira do regime entrevistando o filho de Montazeri. Só têm permissão para ficar os que se restringem a reportagens inofensivas.




Vistos para assistir propaganda


De fato, devido à sensibilidade de Teerã com reportagens críticas ao programa nuclear do país e seu enriquecimento de urânio, os jornalistas do Ocidente agora só têm permissão para entrar no país para participar de eventos de propaganda –e até os vistos de jornalista se tornaram uma raridade. A embaixada iraniana em Berlim conferiu apenas três permissões de entrada para uma conferência bombasticamente encenada nesta primavera com o tema “Energia Nuclear para Todos –Armas Nucleares para Nenhum”. O Spiegel só conseguiu entrevistar líderes da oposição e críticos do regime depois de longas preparações e sob segredo estrito.

Entrar no país sem permissão do Ershad, o Ministério de Cultura e Guia Islâmico, é uma aventura tola. Os vários braços das agências de inteligência dos mulás mantêm o país sob um controle ainda mais rígido do que nos tempos de Mohammad Reza Pahlavi, o último xá do Irã. Mas isso não impediu que dois homens que trabalhavam para a editora alemã Axel-Springer tentassem sua sorte na semana passada. Eles não conheciam as regras? “Se não conheciam, eles foram ingênuos e se permitiram entrar por um caminho perigoso”, advertiu até o jornal circunspecto alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung.

 De fato, os dois aparentemente não estavam habituados à região. O repórter escrevia para o jornal de grande circulação Bild, e mais recentemente para o Bild am Sonntag, com foco em histórias locais de Berlim e em escândalos em hospitais. O fotógrafo free-lance fazia fotos de músicos e celebridades.

 Os dois alemães foram presos na semana passada em Tabriz, capital da província do Azerbaidjão do Oeste, 500 km a noroeste de Teerã, enquanto se preparavam para entrevistar Sajjad Ghaderzadeh, 22. O jovem é odiado por defensores locais do regime porque ele ajudou a promover uma campanha internacional de direitos humanos para ajudar a proteger sua mãe, Sakineh Mohammadi Ashtiani, 43, que foi condenada à morte por apedrejamento em 2006 por adultério. As forças de segurança também detiveram Ghaderzadeh e o advogado da mãe dele, em cujo escritório a reunião ocorreu.


 Um prelúdio à espionagem?


 O destino dos alemães depende primariamente de qual facção prevalecerá em Teerã. O embaixador do Irã em Berlim, Ali Reza Sheikh Attar, parece ser um aliado próximo de Ahmadinejad, mas também um pragmático. Aparentemente, está muito interessado em uma solução rápida. O fato de Attar, que também foi jornalista, ter sido governador na região e ainda manter contatos próximos em Tabriz pode ajudar os jornalistas a se livrarem da situação. O embaixador alemão em Teerã, Bernd Erbel, também é bem conectado no país.

Ainda assim, a influência dos radicais não é subestimada. Eles não vêem os repórteres como jornalistas desavisados, buscando um furo de reportagem. Pouco após sua prisão, o promotor-geral iraniano, Gholam Hossein Mohseini-Ejei, expressou dúvidas se os alemães eram de fato jornalistas –talvez um prelúdio a acusações de espionagem.

A jornalista americano-iraniana Roxana Saberi, 33, experimentou em primeira mão como os radicais passam logo para acusações desse tipo. Saberi tinha trabalhado em Teerã como correspondente por seis anos, inclusive para a BBC britânica e a National Public Radio americana. Ela foi presa em abril do ano passado após ser acusada de comprar uma garrafa de vinho, apesar da proibição do álcool. Depois, ela foi acusada de trabalhar sem uma licença válida. Finalmente, o promotor estadual acrescentou acusações de espionagem.

Observadores diplomáticos em Teerã viram isso como uma tentativa de sabotar as relações melhoradas com os EUA e o presidente relativamente novo Barack Obama. Pouco depois de ela ter sido condenada a oito anos na prisão, Saberi teve permissão de deixar o país. Teerã cobrou a conta, dizendo que sua libertação foi um gesto generoso para Washington.

Por isso, as autoridades em Berlim que têm familiaridade com trocas de reféns e de prisioneiros logo se prepararam para negociações prolongadas no atual caso dos dois jornalistas alemães. “É uma questão de preço político”, diz um especialista que conhece o caso- e lembra de Donald Klein. O pescador de alto mar de Lambsheim, no sudeste alemão, vagou para águas iranianas quando estava de férias em Dubai no final de 2005. Ele ficou mais de um ano preso em Evin sob suspeita de espionagem. Na época, o agente da inteligência iraniana Kazem Darabi estava cumprindo sentença na Alemanha por seu papel no assassinato de quatro figuras da oposição iraniana em um restaurante em Berlim em 1992.


“Jornalismo é arriscado”


Darabi, desde então, foi solto e portanto Teerã não pode mais especular sobre troca de prisioneiros. O fato do governo alemão recentemente ter tido um papel proeminente em orquestrar as sanções europeias contra o Estado islâmico não exatamente tornou as negociações mais fáceis.

Ainda assim, algumas pessoas na Alemanha estão nutrindo um otimismo cauteloso que a libertação dos jornalistas possa ser conseguida em breve. De fato, um grupo de parlamentares chegou a Teerã no domingo (17/10) para uma visita há muito programada. O grupo, que inclui a presidente do partido Verde Claudia Roth, pretende falar em nome dos presos alemães durante suas conversas com os iranianos.

Os repórteres alemães parecem ter admitido a violação dos regulamentos de visto iranianos. Este pode ser o primeiro passo para a solução. Já há indicações do Irã que os alemães podem ser soltos após pagarem uma multa.

Se os jornalistas voltarem para casa no final desta semana, será um pouso extraordinariamente tranquilo para o final de uma viagem bizarra em busca de fatos.

Mesmo com um final feliz, porém, o caso confirmaria o que o editor chefe do Ham-Mihan tem a dizer. Ele adverte aos colegas explicitamente dos perigos da profissão. “O jornalismo no Irã é arriscado”, diz Ghouchani.

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