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sábado, 16 de outubro de 2010

Sérgio Duarte, representante da ONU para o desarmamento, relativiza o risco de proliferação nuclear

Instalações nucleares de Cattenom, França
O alto representante para o Desarmamento apoia a política de Obama para a eliminação das armas nucleares e fala em divisão Norte-Sul

Brasileiro, diplomata de carreira, Sérgio Duarte é, desde 2007, o alto representante das Nações Unidas para o desarmamento.


Le Monde: Um ano e meio depois do discurso do presidente Obama em Praga, estamos na direção de um “mundo livre de armas nucleares”?

Sérgio Duarte:
A declaração comum dos presidentes [americano Barack] Obama e [russo Dimitri] Medvedev no mês de abril de 2009, bem como o discurso de Obama em Praga, contribuiram para criar um clima. É muito importante que os Estados Unidos e a Rússia, que concentram mais de 95% dos arsenais nucleares, mostrem sua vontade de reduzir suas forças. Espera-se que o acordo Start [Tratado de Redução de Armas Estratégicas, assinado em abril de 2010} seja ratificado. Os sinais são positivos. O acordo foi aprovado pela comissão de assuntos externos do Congresso e alguns republicanos o apoiam.

Em 2008, o secretário-geral da ONU havia proposto um documento para o desarmamento, que recebeu o apoio de várias delegações. Sobre o desarmamento, as expectativas são grandes, as mentes se mobilizam. A Conferência de Revisão do Tratado de Não-Proliferação (TNP), em maio, foi positiva.

Le Monde: Entretanto, a conferência sobre o desarmamento está emperrada, como constatou uma assembleia na ONU no dia 24 de setembro. Um país constitui um obstáculo: o Paquistão. Ele fala em necessidades de segurança nacional para rejeitar um projeto de tratado que proíba a produção de matéria físsil destinada às armas nucleares. Como remover esse obstáculo?

Duarte:
É verdade que há uns doze anos a Conferência sobre o Desarmamento não produz mais nada. Mas não é uma loja, é um processo muito político! No plano histórico, a Conferência produziu o TNP [1968], as convenções sobre as armas biológicas [1972] e químicas [1993], o tratado sobre a proibição total dos testes nucleares [assinado em 1996, ainda lhe faltam oito ratificações, incluindo a dos Estados Unidos, para entrar em vigor]. Não é pouca coisa. Não quero acusar este ou aquele país. Devo lembrar que foram necessárias décadas para que certos países aderissem ao TNP. Não podemos forçar os países a aceitarem compromissos que digam respeito justamente à sua segurança nacional. É preciso se valer de paciência para convencê-los.

Le Monde: Países emergentes do Sul falam de dois pesos e duas medidas. Eles criticam as potências nucleares do Norte por não se desarmarem, ao mesmo tempo em que buscam controlar melhor a utilização pacífica da energia nuclear no mundo. Essa divisão estrutura todo o debate?

Duarte:
As grandes potências devem fazer mais. No Sul, as opiniões constatam uma falta de comprometimentos restritivos em matéria de desarmamento, quando exigências cada vez maiores são formuladas em matéria de inspeção [de atividades nucleares civis]. Enquanto no Norte exigem-se mais esforços para evitar a proliferação, há países que acham que não existe reciprocidade o bastante. É a chave de novos progressos. Não se pode evitar a proliferação sem avanços no desarmamento.

Le Monde: Algumas pessoas, em especial na França, acreditam que não haverá desarmamento nuclear. Elas observam que, por razões de status e de poder, nem a Rússia, nem a China se encontram nessa lógica. E ressaltam que o principal perigo vem do fenômeno da proliferação, como ilustrado pelo Irã. O que o senhor pensa a respeito?

Duarte
: O desarmamento e a não-proliferação não são duas coisas antagônicas. Elas reforçam uma à outra. É preciso tentar ter um progresso paralelo. Aliás, é o que o TNP estipula.

Le Monde: Existe um risco de “cascata nuclear”, especialmente no Oriente Médio, onde outros países poderiam seguir o exemplo do Irã caso ele ultrapasse um certo limiar nuclear?

Duarte:
O presidente Kennedy disse nos anos 1960 que ele temia o surgimento de dezenas de potências nucleares. Isso não aconteceu. Hoje, nove Estados possuem a bomba, e um outro é suspeito de querer tê-la. O risco de encadeamento existe, mas ele não é imediato. Esse tipo de programa necessita de tempo. Além disso, muitos países entendem que sua segurança estará mais bem servida se não procurarem adquirir a arma nuclear. Vimos países renunciando às armas nucleares, como a África do Sul, Belarus, o Cazaquistão e a Ucrânia. Para isso, é preciso que as condições de segurança sejam vistas como vantajosas.

Historicamente, a ONU permitiu muitos progressos em matéria de segurança coletiva. O Conselho de Segurança reflete o mundo pós-Segunda Guerra Mundial. É preciso que ele reflita a segurança de todos.

Le Monde: Foi esse o sentido da posição da Turquia e do Brasil a respeito da questão nuclear iraniana?

Duarte:
Talvez isso faça parte das razões pelas quais esses países tomaram uma iniciativa, mas o objetivo principal era contribuir para o reforço da confiança entre as partes.

Le Monde: Não é paradoxal o fato de que os Estados Unidos, onde a administração Obama defende o desarmamento, ainda não tenham ratificado o tratado de proibição dos testes nucleares?

Duarte:
Os Estados Unidos não são um país onde o presidente tem a possibilidade de impor o que ele quer. Ele precisa convencer o legislativo e a opinião pública. Ainda assim há esperança.

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