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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Em 50 anos de violência, ETA matou aproximadamente 829 pessoas, diz Espanha


Acima os inconfundíveis milantes do ETA

Durante quase meio século, o terrorismo do ETA foi uma das principais preocupações dos cidadãos espanhóis, um problema de primeira ordem, uma sangria de vidas e um esforço brutal para apoiar a luta antiterrorista (policiais, equipes técnicas, ressarcimento de danos...). No entanto, ninguém sabe o número exato nem o nome de todas as vítimas fatais. O Ministério do Interior divulgou o dado de 829 pessoas, mas não explica como chegou a essa conclusão. Nem sequer as associações de vítimas conhecem o nome ou o número exato dos assassinados. Dar rosto ou pelo menos nome a todas as vítimas do grupo terrorista é algo que ainda não se fez.

Begoña Urroz, assassinada em 1960, foi a primeira vítima do ETA? Ou foi o guarda civil José Pardines, morto pelo "etarra" Francisco Javier Etxebarrieta oito anos depois? Begoña tinha só 22 meses quando uma bomba na estação de Amara (San Sebastián) acabou com sua vida; é a primeira morte por terrorismo na democracia, reconhecida e indenizada como tal pelo Escritório de Atendimento às Vítimas do Terrorismo, que depende do Ministério do Interior. Mas foi o ETA? Não, segundo os dados que o ministério cita em seu site na web: afirma que o grupo assassinou pela primeira vez em 1968, ano em que morreu Pardines. Mas sim para alguns historiadores e várias associações de vítimas.

Existe um forte grau de incerteza ao se afirmar que uma pessoa foi assassinada pelo ETA. O critério dos crimes reivindicados pelo grupo não é confiável: seu histórico criminoso está cheio de vítimas que nunca foram atribuídas ao grupo. As famílias indenizadas pelo Estado também não marcam esse número: nem todas pediram indenização. Menos ainda podem ser os casos sentenciados: há 220 assassinatos atribuídos ao grupo terrorista sem julgar, porque não se conhece o autor ou porque não foi detido, segundo a Audiência Nacional (Ministério Público).

Quem são então as vítimas do ETA? É no mínimo contraditório não poder dar essa resposta. Os arquivos incluem as informações que a imprensa deu sobre os atentados na época. Figuram os nomes e os dados das vítimas, as circunstâncias do crime, as suspeitas da polícia. Em alguns casos podem-se ver as fotos dos cadáveres entre os ferros retorcidos do carro-bomba.

No entanto, a resposta das instituições é inflexível: insistem que a lista envolveria a criação de um arquivo no qual se estabelece uma relação de dados, o que atentaria contra a Lei de Proteção de Dados e, portanto, uma violação do direito à intimidade. Diante da aparente incongruência da justificativa, este jornal perguntou a fontes da Agência de Proteção de Dados, que afirmaram que, salvo que um dos atentados não tivesse sido coberto na época pela imprensa, não deveria haver problemas em divulgar a lista. Por outro lado, explicam as mesmas fontes, as pessoas mortas não são titulares do direito à proteção de dados.

Um problema semelhante ocorreu com o atentado que a Al Qaeda cometeu em Madri em 11 de março de 2004, que deixou 192 mortos. Antes de realizar um ato de homenagem aos mortos, o Escritório de Atendimento às Vítimas entrou em contato com as famílias para obter a autorização. Na ocasião, cinco famílias se negaram. Com os assassinados pelo ETA não ocorreu o mesmo: a soma dos nomes com que conta o mencionado escritório não coincide com o número global divulgado pelo ministério. Sob a epígrafe de "ETA e entorno afim", inclui somente os dados dos mortos cujos parentes pediram indenização. Nem todos o fizeram na época, e nem todas as reclamações foram aceitas.

Nessa relação de nomes foi incluída na semana passada a menina Begoña Urroz. O diretor em exercício do escritório de vítimas, José Manuel Rodríguez Uribes, afirma que a polícia "não descarta" a autoria do ETA, que havia sido criado um ano antes. Em todo caso, Rodríguez Uribes prefere rodear a questão: "Para efeitos de indenização, no entanto, não nos afeta qual foi o grupo autor".

Com a mesma epígrafe de "ETA e entorno afim" se inclui Enrique Casas, que era senador pelo Partido Socialista de Euskadi [País Basco]. Em 23 de fevereiro de 1984, três dias antes das eleições autônomas bascas, Enrique Casas almoçava com sua família quando a campainha começou a tocar insistentemente. "Quem é?", ele perguntou do interior. "Operários do encanamento", responderam. Pediram que ele tirasse o carro da garagem, iam fazer uma escavação na porta. Ao abri-la, dois homens o esperavam, um encapuzado, e houve vários tiros. Ele tentou se abrigar mas o liquidaram dentro da residência. No imaginário coletivo, Casas foi morto pelo ETA, embora na realidade fosse o último assassinado dos Comandos Autônomos Anticapitalistas, um grupo terrorista de viés anarquista que se alimentou em parte de antigos etarras.

"A mulher de Casas se sente viúva por causa do ETA, separá-los não tem sentido", afirma Rodríguez Uribes. Uma avaliação que não é compartilhada pelo ministério, que ao reconhecer os Comandos Autônomos Anticapitalistas como um grupo à margem do bando não incluíram entre os 829 Casas nem outros 26 mortos que esse grupo armado deixou. Também ficam fora da lista ministerial as vítimas mortais da "kale borroka", ou violência de rua.

Com a colaboração do Escritório de Vítimas, "El País" conseguiu elaborar uma relação de 826 nomes de pessoas cujas mortes foram atribuídas ao grupo por fontes policiais. No trabalho documental, este jornal comparou os arquivos da época, mas também as listas da Fundação de Vítimas do Terrorismo (que inclui 825 mortos), da Associação de Vítimas do Terrorismo (921 nomes) e dos livros "Vidas Rotas" - cujos autores Rogelio Alonso, Florencio Domínguez e Marcos García Rey recolhem as histórias de 856 vítimas do terrorismo - e "Crônicas Sangrentas de 30 Anos", no qual Eloy Ramos Martínez relembra os 146 policiais nacionais assassinados pelo ETA.

As associações e o Escritório de Vítimas concordam em incluir o nome de José Manuel Cardosa Morales entre as vítimas do terrorismo, apesar de existirem sérias dúvidas sobre a autoria do assassinato. Esse carteiro morreu em 1989 quando explodiu em suas mãos um pacote que devia entregar. Não é o único empregado dos Correios morto nessas circunstâncias: o que diferencia Cardosa é que a carta não era dirigida a um crítico do grupo, mas a Ildefonso Salazar, militante do Herri Batasuna [união da esquerda basca].

Na época a polícia o atribuiu ao ETA pelo método empregado, mas os jornais ressaltaram que anos antes Salazar, de 46 anos, tinha apresentado uma denúncia de tortura contra um tenente da Guarda Civil que foi condenado pela Audiência Provincial de San Sebastián em uma sentença ratificada posteriormente pelo Supremo Tribunal. É a vítima que todos reclamam. A fundação Euskal Memoria, promovida por antigos etarras e simpatizantes do grupo, o reivindica como vítima do terrorismo do Estado. Entre as fotografias das vítimas dos GAL e Batalhão Basco Espanhol, entre outros, que estão publicadas em seu site, aparece a foto de um Cardosa sorridente, em uma noite qualquer dos 22 anos que viveu.

Seja como for, a história do grupo terrorista se lê nos nomes de suas vítimas. A primeira vez que aparece a denominação de Euskadi Ta Askatasuna (Euskadi e Liberdade) foi em Bilbao em 31 de julho de 1959. Um grupo de estudantes radicais dissidentes do coletivo EKIN - nascido em 1952 para reagir contra a passividade e a acomodação que na sua opinião sofria o Partido Nacional Basco (PNV) - enviam ao presidente do governo basco no exílio, José Antonio Aguirre, uma carta na qual informavam sobre sua fundação. A decisão de matar veio depois (em 1960-1968). A partir desse momento as vítimas se transformaram em moeda de troca, que empregaram sem escrúpulos.

Nos anos 80 as mortes se transformaram em coisa tão habitual que deixaram de ser notícia. Muitos atentados passaram despercebidos para a imprensa e as investigações se amontoavam nas delegacias e nos quartéis do País Basco. Uma em cada três vítimas ocorreu nos anos de chumbo (1978-1980). Ainda na ressaca do franquismo, a Espanha não tinha a colaboração da França; por isso o santuário francês servia de refúgio para uma organização fortalecida pelo dinheiro da extorsão. Dessa época é a maioria dos casos cuja autoria é questionável atribuir ao ETA. Um morto em uma vala com a cabeça arrebentada por um tiro de parabellum 9 milímetros, que era a arma usada pela frente político-militar, apontava para o ETA. Haviam-no acusado de delator? Era vítima da campanha antidrogas que efetuaram contra traficantes durante os anos 80? Ou se tratava de um ajuste de contas entre criminosos?

Ao longo de sua história, o bando foi ampliando os motivos pelos quais apertava o gatilho ou punha uma bomba. O espectro das vítimas potenciais crescia com sua própria ambição ou descontentamento. Desde o início, ser policial ou guarda civil, especialmente no País Basco, era enfrentar a morte a cada manhã. Os bares frequentados por militares e policiais também se transformaram em alvos: como ocorreu na Calle del Correo em Madri, com a chacina na cafeteria Rolando, em que morreram 13 pessoas. O lugar era frequentado por policiais destinados no que era então a Direção Geral de Segurança, instalada no casarão da Porta del Sol que hoje é a sede do governo de Esperanza Aguirre. Ninguém reivindicou o massacre, mas marcou a cisão do grupo entre a frente político-militar e a militar.

Em 1978, foi a campanha contra a Constituição que marcou o começo da etapa mais sangrenta. No ano seguinte o Estatuto Basco levou à ruptura do ETA com o PNV. A trégua da frente político-militar em 1981 e sua dissolução definitiva um ano depois reduziu a sangria, mas o número de mortos por ano não baixava de 30.

O primeiro golpe policial forte contra o bando foi a batida de 1992. A detenção de três dirigentes do ETA durante uma reunião em Bidart (França) e as posteriores atuações policiais frearam a série de atentados que havia começado no ano anterior, aproveitando que os focos da imprensa internacional estavam voltados para a Espanha por causa dos Jogos Olímpicos de Barcelona. A partir da assinatura do pacto antiterrorista, subscrito por PP e PSOE em 2000, se multiplicaram os ataques contra membros de ambos os partidos.

O abandono definitivo das armas anunciado em 20 de outubro passado pôs fim a quase 50 anos de terror, nos quais o ETA matou centenas de pessoas, deixou milhares de feridos, atemorizou dezenas de milhares de cidadãos... não é possível apagar as cicatrizes das famílias, mas é necessário que o capítulo mais sangrento da democracia espanhola seja fechado dando-se rostos aos mortos: as vítimas devem deixar de ser uma estatística.

Um comentário:

  1. 1)La lista "oficial" de 829 víctimas de ETA no incluye a las 25-30 víctimas de los Comandos Autónomos Anticapitalistas. E incluye a varias personas que no son víctimas de ETA.
    2)La niña Begoña Urroz fue víctima del DRIL. Esos atentados fueron reivindicados por el capitán portugués Henrique Galvao, el secuestrador del "Santa María" en enero de 1961.

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