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segunda-feira, 19 de março de 2012

Tribunal Penal Internacional: um instrumento concebido para promover a paz


Um provérbio africano declara: “A paz é cara, mas a despesa vale a pena”. Nesta semana, o Tribunal Penal Internacional (TPI) proferiu seu primeiro veredicto de culpado em seus quase dez anos de existência, com a condenação do senhor da guerra Thomas Lubanga por coerção de crianças a atuarem como soldados na República Democrática do Congo. O tribunal gastou, até o momento, cerca de US$ 1 bilhão. A Justiça foi feita, mas não há paz naquele país.

O sucesso do tribunal como veículo para promover a justiça continua sendo debatido. O TPI foi fundado em meio a muita fanfarra, mas seu retrospecto --com esta única condenação-- é medíocre. Sim, os casos que tramitam nele são complexos e era sabido que levaria tempo para uma nova instituição completá-los.

Mas não é isso o que importa. O TPI foi concebido como um instrumento para promover a paz. Nesse aspecto, ele não é um sucesso. Ele continuará fracassando porque seus métodos atuais vão contra a experiência de muitos lugares na África e ao redor do mundo, onde a paz é promovida por meio de negociações políticas e esforços de reconciliação, não pela imposição da justiça internacional.

Ao longo dos últimos 20 anos, países divididos por turbulências políticas e étnicas, da África do Sul até a Libéria, de Serra Leoa até Ruanda, foram unidos por meio da reconciliação. Segundo minha própria experiência, tanto como emissário da paz da Organização das Nações Unidas quanto da União Europeia para Guiné-Bissau, e como negociador do processo de paz em meu país natal, a Irlanda do Norte, foi isso o que vi.

Durante o auge do conflito da Irlanda do Norte nos anos 70 e 90, o governo britânico usou os tribunais para processar seus oponentes na Irlanda do Norte. Pessoas com sangue em suas mãos foram retratadas como mártires por aqueles que as apoiavam. Mas, por meio de um processo de paz que foi apoiado pela comunidade internacional --não guiado por ela--, duas comunidades hostis conseguiram se unir e compartilhar o poder em nosso lar comum. Pessoas de ambos os lados cometeram violência, mas agora estamos no governo juntos, determinados a deixar o passado para trás pelo bem comum.

Se o TPI existisse durante o processo de paz da Irlanda do Norte, ou em 1995, quando a Comissão da Verdade e Reconciliação da África do Sul iniciou seu trabalho, não há dúvida de que haveria pedidos para intervenção e julgamento dos acusados de violência. Isso teria afastado ainda mais antigos inimigos, promovendo recriminação e hostilidade, impedindo a chance de paz.

Eu não estou argumentando contra a existência do TPI: em lugares onde não há um governo funcional, ou o governo é refém de uma parte da sociedade, ou onde não há processo viável de reconciliação, a comunidade internacional tem o dever de assegurar que o tribunal seja o guardião da justiça.

Mas a busca pela justiça não deve substituir e nem minar os esforços de reconciliação nacional em andamento. O principal desafio do TPI é determinar se sua intervenção ajudará ou atrapalhará a causa da paz. As engrenagens da Justiça só devem girar no seu próprio ritmo, mas não devem impedir o processo de paz.

No Quênia, onde um dos casos de maior destaque do tribunal está em curso, o TPI se concentrou em levar a julgamento os acusados pela incitação da violência pós-eleitoral em 2007-2008. Isso corre o risco de alimentar as divisões em um país onde as lealdades tribais e o facciosismo ainda dominam a política. O Quênia, frequentemente visto como uma grande história de sucesso africana, agora está caminhando para um impasse perigoso. A determinação do tribunal de levar a julgamento vários réus acusados de fomentar a violência permitiu ao primeiro-ministro Raila Odinga pedir pela prisão de seu principal adversário político, o vice-primeiro-ministro Uhuru Kenyatta, filho do presidente fundador do país, que agora enfrenta acusações do TPI.

Odinga e Kenyatta são ambos líderes em uma coalizão de governo formada com o apoio da comunidade internacional, precisamente visando reconciliar os partidos políticos e grupos tribais contrários. Mas a intervenção do TPI provavelmente dividirá ainda mais o governo e o país, permitindo a um líder político de um grupo étnico tentar tirar de cena o adversário de outro grupo étnico. Isso é particularmente perigoso quando a raiz da violência pós-eleitoral no Quênia é o conflito tribal.

O TPI não deve se tornar um instrumento que pode alimentar divisão potencial. E onde o tribunal intervier, ele deverá ser um exemplo do melhor da justiça, com padrões inquestionáveis. Mas esse nem sempre foi o caso: o caso queniano se apoia em uma testemunha principal que já mudou suas declarações várias vezes e que está sob um plano de proteção à testemunha, financiado em parte pelo governo britânico, que tem apoiado publicamente o julgamento. Isso alimenta a crença errônea entre alguns quenianos de que as potências ocidentais que financiam o tribunal estão buscando dividir e governar o país.

Os defensores do TPI dizem que não pode haver paz sem justiça. Mas a experiência nos ensina que esse nem sempre é o caso. A reconciliação não é uma opção fácil, mas ela permite às pessoas seguirem em frente com a esperança de união, e o potencial de justiça no futuro. As experiências na Irlanda do Norte e na África do Sul nos mostram que nada é mais importante do que a paz. Se isso significar que o Tribunal Penal Internacional nem sempre intervenha ou promova justiça, pode ser um preço que valha a pena ser pago.

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