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quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Le Monde: A falta de acordo entre os governos prejudica o setor aeroespacial europeu

A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e o presidente da França, François Hollande. Os principais governos europeus não entraram em acordo em relação ao processo de fusão dos grupos EADS e BAE Systems

Havíamos encontrado nosso herói europeu, aquele que iria construir a Europa apesar dos governos. Não seria Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu (BCE) e salvador do euro, mas sim um filho de pastor que se tornou presidente da EADS, o alemão Thomas Enders. Este está tentando impor a fusão da gigante da aeronáutica europeia que ele preside (Airbus, Eurocopter, Ariane etc.) com o grupo britânico de defesa British Aerospace. Para competir em pé de igualdade com a Boeing. Sem os Estados. Ele corre o risco de cair, como herói trágico vítima das reticências políticas de Angela Merkel e de François Hollande. A chanceler exige que a Alemanha hospede uma sede social, com um ciúme terrível dos franceses chamados para abrigar a aeronáutica civil, e dos britânicos responsáveis pelas atividades militares. Já o presidente, um intervencionista francês incorrigível, quer poder deter até 13% do capital do novo grupo.

Livrem-nos da dupla franco-alemã! Tom Enders quer tirar o defensor europeu das mãos dos Estados.  É verdade que a política permitiu que a Airbus, fundada em 1970, emergisse. Mas ela também quase a afundou, quando as rixas de divisão do poder e as implantações industriais entre franceses e alemães bloquearam a empresa, no início dos anos 2000. A governança melhorou quando foi dado um fim à direção bicéfala da empresa. Tom Enders foi um dos arquitetos dessa renovação. Nomeado diretor da Airbus no verão de 2007, ele sucedeu o francês Louis Gallois à frente da EADS no dia 1º de junho e vem se esforçando para regularizar energicamente a empresa.

Tom Enders é muito alemão, zombam em Paris, observando com um quê de germanofobia que ele foi paraquedista na Bundeswehr [forças armadas da Alemanha]. Pode ser, mas ele decidiu aquilo que provavelmente somente um alemão poderia realizar: ele demitiu o presidente do braço de defesa da EADS, o alemão Stefan Zoller, que pretendia criar uma entidade germânica autônoma, uma “Dassault alemã”; ele decidiu repatriar as sedes de Munique e de Paris da EADS para Toulouse, criando uma sede única.

 Os pessimistas acreditam que detectaram um truque. Eles o acusam de estar fazendo uma faxina sem dó na hierarquia intermediária para poder expulsar os franceses. Ele só estaria voltando a Toulouse para controlar melhor seu sucessor, o francês Fabrice Brégier. Tom Enders administra seu grupo como presidente, esquecendo as antigas rixas.

De repente, ouve-se uma segunda crítica, vinda de Berlim. Tom Enders não é alemão o suficiente. Ele é “tão anglo-saxão”! A queixa é fatal. O presidente da EADS pede ao governo francês e alemão que paguem para ver, que enfraqueça o poder deles para ganhar um hipotético acesso ao mercado americano da defesa. É assumir o risco de fazer o jogo de Londres e do britânico Ian King, presidente da BAE: de volta de uma aventura americana hipotecada pela esperada redução dos orçamentos do Pentágono, a casada não é de uma fidelidade garantida. Será que ela abrirá as portas do Pentágono para os europeus ou colocar sob domínio de Washington uma joia continental e revelar seus últimos segredos militares?

Esses temores entravam uma fusão já considerada no passado. Independentemente do que aconteça, a tentativa de Tom Enders soa como um alerta aos governos. Primeiramente, os tempos das aproximações franco-alemãs à moda antiga mudaram. Simplesmente porque todos eles fracassaram, com exceção da Airbus. Entre as duas margens do Reno, a guerra econômica é feroz, e o abismo cultural, gigantesco. Os casamentos acompanhados pelos governos estão se desfazendo. Cada um com suas ácidas críticas e suas traições. Nem sempre os franceses são os mais inocentes. A Aventis, fruto de uma fusão política entre grupos farmacêuticos, a alemã Höchst e a francesa Rhône-Poulenc, implantou sua sede em Estrasburgo, considerada uma cidade “neutra”, mas logo foi engolida pela Sanofi, apesar das promessas de Jacques Chirac. Durante a presidência de Nicolas Sarkozy, a Siemens abandonou a aventura nuclear assim que constatou que nunca seria considerada como uma parceira de pleno direito pela França e pela Areva.

A ofensiva de Tom Enders também evidenciou a urgência da reestruturação da indústria de defesa europeia. Depois da EADS, o futuro das francesas Thales, Safran e Dassault deverá ser redefinido. O esplêndido isolamento do inventor do Rafale fez com que a França e a Europa perdessem 20 anos. Ele não permitiu que se exportasse um único desses aviões.

Por fim, estão percebendo que os dirigentes políticos abandonaram a Europa da defesa desde a cúpula franco-britânica de Saint-Malo... em 1997. Sarkozy havia feito dela uma falsa condição para que a França voltasse para a Otan e a enterrou durante a guerra na Líbia, explicando que ele fazia o euro com a Alemanha e a guerra com a Inglaterra. Sem a Europa. Em Bruxelas, à espreita de qualquer esperança, garantem que Hollande estaria disposto a relançar a questão. Podemos nos permitir não acreditar nisso.

A crise da EADS ocorre agora que François Hollande e Angela Merkel vêm celebrando desde o verão o cinquentenário da reconciliação franco-alemã, selada pelo tratado do Eliseu. Esse tratado foi um tapa-buraco para Charles de Gaulle, que queria contornar a Europa dos Seis, e um testamento para Konrad Adenauer, que conseguiu a redenção da Alemanha. E houve o deserto europeu, resumido pela lamentável política da cadeira vazia da França gaullista em Bruxelas.

Isso porque existem associações ruins entre França e Alemanha, que estão até se tornando um hábito. A aliança de Jacques Chirac e de Gerhard Schröder, em 2003, levou à suspensão das regras do pacto de estabilidade e impediu que se visse a crise do euro chegar. Em outubro de 2010, em Deauville, Merkel e Sarkozy assinaram um desastroso acordo prevendo que a Grécia e os países em dificuldades não pagariam sua dívida. Essa cúpula foi o “Lehman Brothers” do euro, que propagou a crise para a zona inteira. Merkel e Hollande não são obrigados a somar à responsabilidade franco-alemã o triste destino da EADS-BAE. É preciso resgatar o Soldado Enders.

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