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quarta-feira, 15 de maio de 2013

Privacidade x Interesse público: embate entre polícia e imprensa no Reino Unido

Manifestante usa máscara de Rubert Murdoch, proprietário do império midiático News Corporation, nesta terça-feira (24), em frente a corte em Londres que investiga casos de grampos telefônicos, os padrões éticos da imprensa inglesa e as relações entre jornalistas e políticos
Quando 113 mil libras em dinheiro, apreendidas de criminosos e guardadas a sete chaves, sumiram de um prédio da polícia em Warwickshire, Inglaterra, os jornais britânicos exigiram saber quem cometeu a temeridade de roubar da lei.

Mas mesmo quando um homem foi acusado pelo roubo neste mês, a polícia se recusou a identificá-lo. Apenas após um protesto da imprensa e de defensores da liberdade de expressão, que se queixaram de que a justiça estava sendo feita em segredo, é que a polícia de Warwickshire cedeu, revelando que o suspeito era um ex-policial, identificado como Paul Andrew Greaves.

O incidente é um indicador das crescentes tensões entre jornalistas e autoridades no Reino Unido após a investigação dos excessos e abusos dos tabloides de notícias. O relatório da investigação, de autoria do juiz sir Brian Leveson, examinou o relacionamento às vezes excessivamente aconchegante entre jornalistas e policiais, recomendando restrições ao que a polícia deve contar aos repórteres.

É uma antiga prática no Reino Unido e em muitos países europeus a polícia reter os nomes das pessoas detidas sob suspeita de terem cometido um crime. Os suspeitos geralmente são descritos apenas por coisas como gênero, idade e local de residência. Em alguns países europeus, como a Holanda, a polícia fornece as iniciais do suspeito; em outros, como a Alemanha, é divulgado apenas o primeiro nome e a inicial do sobrenome.

Apesar dessas restrições, a polícia britânica costumava com frequência vazar ou confirmar a identidade dos suspeitos para os jornalistas em conversas em off ou não. Foi assim que os nomes de muitas velhas celebridades que foram detidas, acusadas e condenadas nos últimos meses por crimes sexuais cometidos há muito tempo foram parar nos jornais.

O relatório de Leveson recomendou pôr um fim a esses vazamentos –aparentemente provocando confusão entre algumas forças policiais. As autoridades em Warwickshire, por exemplo, foram além, ocultando o nome de Greaves mesmo após seu indiciamento.

Apesar de a polícia local ter posteriormente recuado e a Associação Britânica dos Chefes de Polícia ter recomendado que os nomes de pessoas indiciadas por um crime devem ser divulgados, os jornalistas estão em polvorosa.

"Justiça transparente e aberta é um princípio que remonta à Magna Carta", disse Bob Satchwell, diretor-executivo da Sociedade dos Editores, referindo-se ao documento emitido pelo rei João em 1215, garantindo certas liberdades aos súditos da coroa inglesa. "Há o risco de perda de direitos que foram conquistados séculos atrás."

Nos Estados Unidos, com uma tradição de abertura enraizada na Primeira Emenda, as detenções costumam ser assunto público, disponíveis para jornalistas ou qualquer pessoa que saiba onde procurar. Alguns suspeitos são levados em desfile diante da imprensa, eliminando qualquer dúvida sobre a identidade deles.

A relutância europeia em dar o nome dos suspeitos se baseia em um respeito mais forte pela privacidade, assim como um ritmo diferente da Justiça. Nos Estados Unidos, os suspeitos costumam ser detidos e indiciados mais ou menos simultaneamente. Na Europa, as pessoas podem ser presas muito antes do indiciamento, enquanto prossegue a investigação policial; frequentemente, aqueles que são detidos são soltos sem um indiciamento.

Por esse motivo, os advogados que representam indivíduos em disputas com a imprensa britânica dizem que faz sentido para a polícia não divulgar os nomes até que os suspeitos sejam formalmente indiciados.

"É uma espécie de princípio da Justiça criminal que é melhor cem culpados saírem livres do que um homem inocente ser preso injustamente", disse Isabel Martorell, uma sócia do escritório de advocacia Carter Ruck, que é especializado em casos de difamação e privacidade. "Como corolário disso, provavelmente é melhor que pessoas inocentes não sejam desfiladas diante da imprensa."

Inocentes eram arrastados pela mídia britânica com frequência perturbadora, como descreveu o relatório de Leveson. Em um caso de destaque, um homem de Clifton, Inglaterra, foi submetido a semanas de especulação sem fim nos jornais, em 2010, após ser detido pela polícia –e seu nome vazado para os jornalistas– sob suspeita de ter assassinado um inquilino de um imóvel de sua propriedade. Outro inquilino no prédio foi posteriormente condenado pelo crime.

Mas os defensores de uma maior transparência dizem que citar o nome no momento da detenção pode fornecer benefícios que vão além de vender mais jornais por meio de manchetes lascivas.

Eles apontam para o caso de Stuart Hall, uma ex-personalidade de rádio e televisão da BBC que se declarou culpado, no mês passado, das acusações de ter atacado sexualmente 13 garotas, com idades entre 9 e 17 anos, por um período de duas décadas, com início nos anos 60.

Hall foi citado quando foi detido em dezembro do ano passado. A publicidade em torno de sua detenção encorajou vítimas adicionais a se apresentarem, disse a polícia, ajudando a construir o caso contra ele.

"A polícia se vê em um dilema em relação a isso porque precisa equilibrar o direito de privacidade com o interesse público", disse David Banks, um jornalista e consultor de lei de mídia de Londres.

Parte do problema, dizem os especialistas, é que não há leis no Reino Unido a respeito da divulgação de nomes pela polícia. Segundo o sistema de lei comum do país, as práticas evoluem em grande parte por meio do precedente legal, e não por legislação. Para complicar as coisas ainda mais, há o crescimento das redes sociais. Quando especulação sobre quem foi detido se torna abundante no Twitter, os jornais se veem tentados a também publicar.

A organização dos chefes de polícia, apesar de recomendar que as autoridades devem citar o nome das pessoas indiciadas por um crime, deseja colocar um fim ao vazamento em off da identidade das pessoas que foram detidas, mas insiste que não se trata de uma censura à imprensa. "Quando um indivíduo é detido, nossa orientação atual é não citar seu nome, e apenas divulgar um nome visando prevenção ou detecção de um crime ou caso haja um interesse público sério", disse o grupo em uma declaração. "Isso não afeta o que a própria mídia decidir publicar."

A Escola de Polícia, que estabelece os padrões para a polícia, está planejando avaliar a questão, assim como a Comissão de Lei, um painel independente que responde ao Parlamento. Enquanto isso, os editores de jornais e outros defensores da transparência e abertura defendem a divulgação de nomes.

"Há um interesse da sociedade pelo princípio de que nosso sistema de Justiça deve ser o mais aberto possível", disse Padraig Reidy, editor de notícias do Índice de Censura, um grupo pró-liberdade de expressão. "Caso contrário, é fácil imaginar um retrocesso a um sistema onde a polícia sente que pode deter pessoas aleatoriamente."

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