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quinta-feira, 3 de abril de 2014

Sobre o massacre de Oradour-sur-Glane (2ª Parte)

Oradour-sur-Glane
Se tudo correr bem, o fim biologicamente inevitável para os processos contra criminosos nazistas poderia ser adiado por mais alguns poucos anos. Por que não processar aqueles que tinham 16 ou 17 anos na época de seus crimes? Ou mesmo mais jovens?

O problema de Brendel é evidência. O nome de Christukat não aparece nem mesmo uma vez nas 40 mil páginas de documentos ligados a Oradour que foram reunidas desde 1945. Ele nunca foi descrito por nenhuma testemunha. A única coisa que os promotores dispõem é a lista.

Um soldado, cujo depoimento fornece a base para a crença dos promotores de que Christukat devia fazer parte de um pelotão de fuzilamento específico, confessou em 1945 e forneceu informações detalhadas em relação a nomes e patentes. Mas ele não mencionou Christukat. Ele não pode mais ser interrogado; ele já faleceu.

Como então Brendel pode ter tanta certeza de que Christukat é um assassino? "Experiência e conhecimento da natureza humana. Realidades matemáticas e físicas. Grande parte do que ele diz não pode ser objetivamente verdadeiro", diz Brendel. Isso significa que Christukat está mentindo? Brendel balança a cabeça. "Geralmente não mentem para nós deliberadamente. Os idosos acreditam naquilo: 'Minha arma não foi disparada'. O homem de 87 anos que visitamos hoje disse a mesma coisa."

Poucos dias depois que Brendel e Willms revistaram a casa perto de Bremen, o advogado de Christukat se juntou a ele em seu solário. Rainer Pohlen é um advogado criminal em Mönchengladbach há 30 anos e já defendeu criminosos de colarinho branco, assassinos e estupradores. Mas um velho homem da SS? O pai de Pohlen pertenceu a uma brigada antiaérea na Segunda Guerra Mundial, parte da "Geração Flakhelfer" de adolescentes do tempo da guerra, que foram mobilizados em um último esforço desesperado para defender sua terra natal, assim que a guerra azedou.

"Minha geração indiciou nossos pais", diz Pohlen. "Por que olharam para outro lado? Mas nem todos eles foram perpetradores. Christukat não foi um assassino. Ele também ficou traumatizado com Oradour, independente do que tenha ou não feito lá."

'Um criminoso de guerra na família'
Quando os investigadores partiram em setembro passado, Christukat empilhou todos os seus comprimidos na mesa diante dele. Foi assim que sua filha o encontrou. "Agora você tem um criminoso de guerra na família", ele disse.

Elas nunca perguntaram ao seu pai sobre as experiências dele na guerra. Agora, elas recordaram de uma noite em que passaram com seus pais na França, a caminho da Espanha, nos anos 70. "Papai estava completamente desorientado. 'Houve uma manobra durante a noite?' ele perguntou. 'Eu ouvi disparos'", lembra sua filha. "Nós rimos. Nós não sabíamos qual era o problema dele."

Ele não contou a elas sobre a primeira visita dos caçadores de nazistas em 2011. "Eles foram amistosos", agora diz Christukat, e perguntaram a ele se ele queria chamar um advogado. "Não, para quê?" ele respondeu. "Eu não tenho nada a esconder. Hitler é o único culpado por tudo aquilo."

Após o tribunal distrital em Colônia ter tornado público o indiciamento de Christukat em janeiro, paparazzi do tabloide alemão "Bild" ficaram aguardando por ele em um supermercado. A foto resultante o mostra com um andador. O artigo exibia uma manchete em francês dizendo "Aqui está um criminoso de guerra fazendo compras" –como se ele tivesse perdido seu direito de comprar liverwurst (linguiça de fígado). Na versão para Internet do artigo, um link levava a uma lista dos "maiores criminosos de guerra", descrevendo Christukat como um monstro da SS em pé de igualdade com Göring, Speer e Milosevic.

Desde então, suas filhas não o deixam sair de casa. O pai delas tem arritmia cardíaca, perdeu 13 quilos e seu médico receitou medicamento contra ansiedade. Ele é despertado com frequência por pesadelos, como acontecia com frequência no passado. Mas sua esposa, sua única confidente, agora não está lá. Ela faleceu há cinco anos. Ele cuidou dela até o fim. "Ela costumava me sacudir à noite e dizer, 'Werner, acorde. Onde você está agora?' Eu dizia 'na porcaria de Oradour. Eu não consigo me esquecer disso."

"A Alemanha está tentando chegar a um acordo com sua história à custa de nosso pai", diz a filha mais jovem de Christukat, "porque não conseguiram encontrar mais ninguém".

Seguindo para o fronte
E se ele disparou? "Ele nunca teria feito isso", diz sua filha mais velha. "Isso é algo que ele pode afirmar." Um de seus netos é casado com uma belga. Quando as acusações contra ele se tornaram públicas, ela lhe deu um abraço e disse: "Vovô, eu ainda amo você tanto quanto antes".

Christukat pega um álbum de fotos para seu advogado de defesa. Ele mostra a propriedade na Prússia Oriental onde Christukat nasceu, com as crianças tocando acordeões, montes de feno, cavalos e tratores. Seu pai foi membro da SA e, aos 10 anos, Christukat vestia o uniforme da Jungvolk, uma organização nazista para menores de 10 a 14 anos. Aos 14, ele passou para a Juventude de Hitler. Na época, sua família acreditava que Adolf estava salvando a Alemanha com sua invasão à Polônia. Certa vez, quando era menino, Christukat estava em uma rua em Königsberg (atualmente no exclave russo de Kaliningrado) e fez uma saudação a Hitler, enquanto o líder nazista passava em um conversível.

Em 1942, aos 17 anos, Christukat foi convocado ao Reichsarbeitsdienst, o serviço obrigatório na Alemanha nazista para os homens jovens que precedia o serviço militar. Eles marchavam e suas pás brilhavam ao sol. Então veio o recrutador da Waffen-SS, um homem alto de olhos azuis. Christukat se candidatou.

Eles enviaram o jovem de 18 anos para o fronte russo. O solo nas trincheiras era fofo, corpos eram enterrados sob ele. Os lançadores de foguete eram barulhentos, os projéteis passavam zunindo, "e então vinham os gritos: 'Médico!'" Ele foi ferido após duas semanas. Quando ele conseguiu voltar a andar, sua unidade foi reposicionada.

No final de maio de 1944, ele seguiu para a França em um vagão de carga. Em 7 de junho, ele se juntou à sua companhia, e em 10 de junho, Oradour queimou. Uma semana depois, tropas canadenses quase o fizeram perder a perna perto de Caen, no norte da França. Após quatro ou cinco semanas no fronte, a guerra terminou para Christukat. "Eu não vi muita coisa. Apenas esse crime terrível", ele diz.

'Aquele imbecil do Hitler'
Christukat continua no tom áspero de um oficial. "Avante, marche, marche! Exercícios com máscaras de gás, e cantando ao mesmo tempo." Christukat começa a cantar. Então diz: "Eu tenho vergonha pela Alemanha. Que aquele imbecil do Hitler tenha feito isso conosco".

Há alguns dias, Christukat está à procura de um documento que ele alega oferecer prova de sua inocência. Ele diz que já foi absolvido uma vez por alegações ligadas a Oradour. "Absolvido em nome do povo! Eu vejo isso diante de mim."

Ele procura e procura, até finalmente aparecer, segurando triunfantemente uma pasta. Ele encontrou! Sua filha dá uma olhada no documento amarelado e diz, "Ah, pai, isto é algo totalmente diferente". Ele então coloca seus óculos. De fato, é uma decisão de um caso impetrado por uma construtora contra ele logo depois da guerra. Decepcionado, ele larga a pasta.

Pohlen, o advogado, se pergunta como Christukat poderia suportar ser questionado no tribunal. Por 70 anos, as lembranças de Christukat do que ele experimentou se misturaram com notícias, coisas que ele leu e fantasias. Os neurocientistas dizem que as pessoas de forma contínua, mas subconscientemente, reconstroem sua consciência autobiográfica com esse material por toda suas vidas, visando tornar mais aceitável olhar para trás. Se isso é verdade, então será extremamente difícil provar se Christukat simplesmente não pode –ou não quer– lembrar. Se ele está dizendo sua versão personalizada da verdade, ou se está mentindo.

Quanto esclarecimento o processo pode fornecer?

Christukat já foi, de fato, objeto do interesse dos promotores anteriormente por causa de Oradour, em 1978. Ele falou abertamente com os investigadores e o caso foi encerrado na época por falta de evidência.

Quando os caçadores de nazistas voltaram mais de 30 anos depois, várias contradições chamaram a atenção deles. A unidade a qual o indiciamento alega que Christukat pertencia revistou uma fazenda e uma idosa foi baleada. Inicialmente, Christukat alegou que não estava na fazenda. Mas então ele disse que foi até lá e que ouviu os disparos, mas que não olhou. Mas por que ele esteve lá, se não pertencia àquele grupo? Essa é a pista que levou os investigadores até ele.

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