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sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Estado Islâmico é um fenômeno recente, mas com raízes históricas

Nos últimos anos, houve um aumento dramático de um aparentemente novo tipo de Estado: o Estado islâmico rebelde. O Boko Haram no Oeste da África, o Shabab no Leste da África, o Emirado Islâmico no Cáucaso e, é claro, o Estado Islâmico no Oriente Médio. Movimentos esses que, não apenas pedem por uma guerra santa contra o Ocidente, mas também usam seus recursos para construir teocracias.

Apesar de apresentarem alguns aspectos sem precedentes, esses grupos também têm muito em comum com os movimentos de revivificação islâmicos do século 18, como o wahabismo na Península Árabe, e os grandes Estados jihadistas do século 19. Eles travavam a jihad contra as potências não muçulmanas e, ao mesmo tempo, buscavam transformar radicalmente suas próprias sociedades.

Um dos primeiros grupos a promover uma jihad anticolonial e construção de Estado foi o dos combatentes liderados por Abd al-Qadir, que desafiou a invasão imperial francesa no Norte da África nos anos 1830 e 1840. Qadir se declarou "comandante dos fiéis" --o título de um califa-- e fundou um Estado islâmico no oeste da Argélia, com capital em Mascara, contando com um exército regular e um governo que impunha a lei Sharia e fornecia alguns serviços públicos. O Estado nunca foi estável, nem abrangia um território claramente definido. Ele foi posteriormente arrasado pelos franceses.

Igualmente breve foi o Estado Mahdista no Sudão, que durou do início dos anos 1880 até o final dos anos 1890. Liderado pelo autoproclamado mahdi ("redentor") Muhammad Ahmad, o movimento convocou uma jihad contra seus governantes egípcios-otomanos e seus suseranos britânicos, e estabeleceu estruturas de Estado, incluindo uma rede de telégrafo, fábricas de armas e um aparato de propaganda. Os rebeldes proibiram o fumo, álcool e dança, e perseguiam minorias religiosas.

Mas o Estado foi incapaz de fornecer instituições estáveis, e a economia sofreu um colapso; metade da população morreu de fome, doença e violência antes do exército britânico, apoiado pelos egípcios, esmagar o regime em uma campanha sangrenta, eventos narrados em "A Guerra do Rio" pelo jovem Winston Churchill, que serviu como oficial no Sudão.

O mais sofisticado Estado rebelde islâmico do século 19 foi o Imanato do Cáucaso. Seus imãs mobilizaram os muçulmanos da Tchetchênia e do Daguestão em uma guerra santa de 30 anos contra o império russo, que buscava subjugar a região. Durante o conflito, os rebeldes forçaram as comunidades montanhesas a ingressarem no imanato militante, executando os oponentes internos e impondo a lei Shariah, a segregação dos sexos, proibição de álcool e tabaco, restrição à música e códigos de vestuário rígidos, todas elas medidas altamente impopulares. As tropas czaristas enfrentaram o imanato com extrema brutalidade, no final o destroçando.

Em todos esses casos, ocorreram dois conflitos distintos, apesar de entrelaçados, um contra impérios não europeus e um contra inimigos internos, e ambas as lutas se combinaram com a construção de Estado. Esse padrão, de fato, não é exclusivo do surgimento dos Estados rebeldes islâmicos. O sociólogo Charles Tilly já identificou a guerra como uma das forças mais cruciais na formação dos Estados: a fundação de um governo centralizado se torna necessária para organizar e financiar as forças armadas.

Ao mesmo tempo, o Islã estava no centro desses movimentos. Seus líderes eram autoridades religiosas, a maioria assumindo o título de "comandante dos fiéis"; seus Estados eram organizados teocraticamente. O Islã ajudava a unir sociedades tribais divididas e servia como fonte de autoridade absoluta, divina, para aumentar a disciplina social e a ordem política, assim como para dar legitimidade à guerra. Todos eles pregavam uma revivificação do islamismo militante, pedindo pela purificação de sua fé, ao mesmo tempo que condenavam a sociedade islâmica tradicional, com suas formas mais heterodoxas de Islã, como sendo supersticiosas, corruptas e atrasadas.

Os Estados jihadistas atuais compartilham muitas dessas características. Eles surgiram em um momento de crise e combatem impiedosamente inimigos internos e externos. Eles oprimem as mulheres. Apesar da ferocidade dos grupos, todos foram bem-sucedidos em usar o Islã para construir coalizões amplas com tribos e comunidades locais. Eles fornecem serviços sociais e dirigem tribunais rígidos da Shariah. Eles usam métodos de propaganda avançados.

Se eles se diferem dos Estados do século 19, é por serem mais radicais e sofisticados. O Estado Islâmico talvez seja o regime jihadista militante mais elaborado na história moderna. Ele usa estruturas modernas de Estado, incluindo uma burocracia hierarquicamente organizada, um sistema judicial, madrassas, um vasto aparato de propaganda e uma rede financeira que lhe permite vender petróleo no mercado negro. Ele usa a violência --execuções em massa, sequestros e saques, seguindo o argumento da repressão e acúmulo de riqueza-- em uma extensão até então desconhecida em regimes islâmicos anteriores. E diferente de seus antecessores, seus líderes têm aspirações globais, fantasiando sobre invadir a Basílica de São Pedro, em Roma.

Mas essas diferenças são apenas uma questão de grau. Os Estados rebeldes islâmicos são de modo geral altamente semelhantes. Eles deveriam ser vistos como um fenômeno que tem a sua história.

Criados sob condições de guerra e operando em um clima constante de pressão interna e externa, esses Estados são instáveis e nunca plenamente funcionais. Formar um Estado torna os islamitas vulneráveis: apesar das redes jihadistas e grupos guerrilheiros serem difíceis de combater, um Estado, que pode ser invadido, é bem mais fácil de enfrentar. E assim que há um Estado teocrático, frequentemente fica claro que seus governantes são incapazes de fornecer soluções políticas e sociais suficientes, gradualmente alienando seus súditos.

Diante disso, a comunidade internacional deveria continuar contendo a expansão de grupos como o Estado Islâmico e intervir para impedir abusos disseminados de direitos humanos. Mas dado que os Estados Unidos e seus aliados dificilmente dedicarão os imensos recursos militares necessários para derrotar o Estado Islâmico -- e muito menos outros Estados jihadistas-- a melhor política poderia ser a de contenção, apoio a oponentes locais e então gestão do possível colapso dos grupos.

Nós precisamos reconhecer o que esses grupos realmente são. Tratá-los como "câncer", como fez o presidente Obama, é compreensível do ponto de vista emocional, mas simplifica e ofusca o fenômeno. Os Estados jihadistas são Estados complexos e devem ser entendidos no contexto da história islâmica.

(David Motadel é um historiador da Universidade de Cambridge e autor de "Islam and Nazi Germany's War".)

2 comentários:

  1. O Estado Islâmico como território atual, vai acabar como acabou esses antigos que o texto cita, é impossível eles manterem um estado cercado por guerras contra inimigos de todos os lados em diferentes frentes de combate, hoje se fala muito da intervenção americana, mais o EUA é apenas o inimigo mais poderoso do EI, o EI também é inimigo da Síria, do Iraque dos curdos (que na prática são independentes do Iraque), inimigo do Irã, das milícias xiitas por consequência, também inimigo das monarquias do golfo já se o EI ao querer criar o califado não reconhece nenhuma autoridade e nenhuma fronteira, inimigo da Rússia pela ligação com chechenos separatistas, da China pelos jihadistas separatiastas na China também, enfim são inimigos de todo mundo até das lideranças islâmicas do mundo todo pq ao exigirem fidelidade ao líder do EI colocam isso os fieis contra seus líderes islâmicos no mundo todo.
    O Abu Bakr Al-Baghdadi conseguiu em pouco tempo a façanha de ser inimigo de todo mundo. Em no máximo alguns anos e poucos anos, ou o EI será mais um pequeno grupo jihadista, ou vai se desmembrar em outros grupos, a causa deles é impossível.O que pode fazer do EI mesmo futuramente o grupo jihadista de maior destaque, pq jovens muçulmanos revoltados podem ver no Abu Bakr Al-Baghdadi o cara que se rebelou contra tudo e contra todos e manter esse grupo como o preferido dele, pq no restante a manutenção do califado é impossível.

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  2. O Talibã também tem tudo haver com esse modelo de estado islâmico, inclusive comandante dos fieis, é o título utilizado pelo Mullah Omar.

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